sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Sobre Cláudio Ulpiano - Reportagem da "Revista" - 28 de setembro

Segue abaixo uma reportagem sobre o professor de Filosofia Cláudio Ulpiano - por Karla Monteiro - morto em 99. Ulpiano deixou seguidores, apaixonados por suas aulas, que agora serão transcritas e transformadas em CDs para que todos possam conhecer o trabalho deste mestre.

Mora na filosofia
O professor Cáudio Ulpiano, que mexeu com as cabeças pensantes do Rio nos anos 80 e 90, ganha um site que traz registros de suas antológicas aulas

No final dos anos 70, um certo professor barbudo e meio maluco pulou os muros acadêmicos e levou a filosofia para a sala de estar. O nome dele era Cláudio Ulpiano, pensador de primeiro time e principal divulgador do ideário de Gilles Deleuze no Brasil. Sem cerimônia e sem compromissos formais, Ulpiano começou a ensinar filosofia a hordas de cariocas que passaram a segui-los pelos quatro cantos da cidade. Ele não tinha um endereço certo para dar aulas: ora reunia grupos na sua própria casa, ora em espaços públicos emprestados, ora na sala de algum dos seus alunos. Em 1999, Ulpiano morreu, deixando para trás muitos órfãos, entre eles apaixonados confessos como a atriz Cláudia Abreu e o cantor Paulinho Moska.
- Ele me deu a dimensão da liberdade, da eternidade, da curiosidade, me ensinou a compor o meu olhar, me deu uma peneira, um crivo - diz Moska. - Fui aluno dele por oito anos. Se não fosse o Cláudio, talvez eu tivesse me tornado um candidato a celebridade. Ele apagou em mim a banalidade.
- O Cláudio foi uma pessoa muito marcante na minha vida - comenta Cláudia. - Suas aulas eram especiais, porque ele conseguia falar sobre coisas complexas de uma maneira muito simples. Sua influência foi tão forte que acabei decidindo fazer a graduação em filosofia na PUC.
A paixão dos alunos de Ulpiano virou combustível para um mutirão em nome do resgate de sua obra. Apesar de escrever com maestria e de ter deixado alguns manuscritos, o filósofo era adepto da tradição oral - o que fez seus seguidores desenvolverem o hábito de gravar cada palavra que saía de sua boca. O material - mais de 800 fitas cassete com aulas do professor na íntegra - sempre ficou guardado na gaveta da viúva, Sílvia. Há dois anos, porém, Renata Aguiar, filha de Sílvia e enteada de Ulpiano, resolveu levar alguns minutos do discurso do padrasto para a internet. Choveu gente querendo saber de quem se tratava. Animadas, Sílvia e Renata se juntaram a uma turma de ex-alunos para conseguir verba para transformar as fitas em CDs e transcrever as aulas.
- Resolvi investir nesse trabalho porque todas as pessoas que eu encontro que foram alunas do Cláudio dizem que ele mudou suas vidas - diz Sílvia. - E eu acredito, porque ele mudou a minha. Então acho importante continuar.
O resultado é o Centro de Estudos Cláudio Ulpiano, um site onde é possível penetrar na essência do mestre (www.claudioulpiano.org.br) . Já estão disponíveis dez aulas transcritas e três áudios, além de textos de ex-alunos e amigos - sim, eles voltaram a se reunir, ainda que virtualmente, em nome do mestre. O site conta ainda com uma revista, a "Tigres Azuis", que dissemina o pensamento libertário do professor. Os textos da revista não são assinados, nem quando pertencem a escritores consagrados. Segundo a psicanalista Viviane de Lamare, ex-aluna de Ulpiano e uma das cabeças do movimento de resgate do seu trabalho, a idéia por trás da iniciativa comum é bastante simples: o sucesso de um texto não pode ser creditado a coisas externas ao próprio texto, como uma assinatura famosa.
- O Cláudio foi uma pessoa rebelde ao poder constituído. Ele tirou a filosofia da esfera da universidade e trouxe para a vida das pessoas. No próximo número da "Tigres Azuis", que será sobre o amor, teóricos consagrados escreveram textos maravilhosos e toparam não assinar - conta Viviane.
Ulpiano era fluminense de Macaé. Nasceu em 1932 e foi criado na Tijuca. Ainda na infância, começou a flertar com a filosofia, graças à vasta biblioteca de seu pai - ele leu "O Banquete", de Platão, aos 10 anos. Era, essencialmente, um autodidata. Sua formação acadêmica só aconteceu mais tarde, em meados dos anos 70. No final da década, ele virou professor da UERJ e da UFF. E, ao mesmo tempo, iniciou os famosos grupos de estudo, que reunia toda a sorte de gente, de intelectuais a estudantes. O desejo de ensinar livremente só se concretizou graças a Sílvia. Ela o conheceu durante um curso em Macaé, em 1978. Ali, decidiu que o apoiaria sem limites, para que ele pudesse se dedicar exclusivamente às idéias. Já no primeiro contato com o futuro marido, Sílvia teve certeza de que ele se tornaria um mestre, um guru. E assim foi. Segundo os amigos, ela tocava a parte prática da vida de Ulpiano, enquanto o filósofo se entregava a quatro coisas: pensar, ensinar, fumar e beber muito café.
- O Cláudio morava perto da minha casa. Quase todas as noites, ele chegava, mandava fazer dois bules de café e ficávamos conversando até esgotar as possibilidades de fala e escuta - conta Luiz Alfredo Garcia-Roza. - O Cláudio era autenticamente um filósofo. Muito mais do que um professor, era um pensador, que tinha uma característica rara: era generoso com o saber dele. Ele unia um pensamento original, uma inteligência brilhante e uma bondade de Papai Noel. Tudo isso combinado fazia dele uma pessoa fascinante.