sábado, 7 de agosto de 2010

Texto da professora Cláudia Castro

Leiam com atenção... lindo texto da professora Cláudia Castro, do departamento de Filosofia da PUC-Rio, falecida em 4 de agosto de 2010... ele tem muito a nos acrescentar como educadores.

Aos alunos com carinho
Comecei a ensinar ainda menina. Primeiro, para as almofadas de meu quarto de criança. Depois, quando apenas alguns anos me separavam dos olhos curiosos que tinha a minha frente. Passados quinze anos como professora nesta universidade, talvez possa perguntar: o que é ensinar filosofia? Há uma grande diferença entre o ensino que hoje realizo e minha brincadeira infantil de falar com as almofadas? Não seria esse prazer primevo a antecipação, já a elaboração da tarefa que um dia iria realizar e à qual dedicaria minha vida inteiramente? Hoje vejo que sim. Porque no trabalho de formação filosófica não é o conteúdo o que mais importa, aquilo que podemos chamar de saber e que traz consigo, freqüentemente, um poder mutilante e nefasto. Em seu sentido mais elevado, ensinar filosofia (se isto é possível) é, ao mesmo tempo, ter o privilégio de viver e suscitar uma experiência de parada, de interrupção no curso das atividades práticas e automáticas de nossas vidas, para que um pouco de ar fresco, livre, possa atravessar.
Desde sua origem, os grandes pensadores concluíram que o pensamento puro é desprovido de utilidade. Ele é um momento de crítica, de indagação sobre o que somos e desejamos profundamente. E o professor enfrenta, a cada aula, o desafio de despertar esse sutil questionamento.
Ensinar é, antes de tudo, amar. Entrar num movimento em que nos despojamos de tudo que nos caracteriza como um sujeito pequeno, “humano demasiado humano”, nas palavras de Nietzsche, e, nessa abertura, pensar-com, pensar junto aos espíritos com os quais o acaso nos colocou em relação. Espíritos que também se abrem para o pensamento que, de fora, os transforma, irreversivelmente.
Assim, o trabalho do professor – que se inicia do zero a cada vez que ele adentra o espaço sagrado da sala, com as carteiras e a sua mesa, o quadro e o giz – se assemelha ao de um baloeiro que ensaia fazer subir um balão. Pois uma aula é como um balão. Se é boa, nos leva ao céu, para além de nós mesmos, até o reino mais perfeito da liberdade. Quando o balão consegue subir? Ele sobe se, inexplicavelmente, tanto o professor quanto os alunos, encantados com a magia misteriosa das palavras, tocam o insondável: a pergunta, sem resposta, sobre o sentido de nossas vidas.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Sobre Cláudio Ulpiano - Reportagem da "Revista" - 28 de setembro

Segue abaixo uma reportagem sobre o professor de Filosofia Cláudio Ulpiano - por Karla Monteiro - morto em 99. Ulpiano deixou seguidores, apaixonados por suas aulas, que agora serão transcritas e transformadas em CDs para que todos possam conhecer o trabalho deste mestre.

Mora na filosofia
O professor Cáudio Ulpiano, que mexeu com as cabeças pensantes do Rio nos anos 80 e 90, ganha um site que traz registros de suas antológicas aulas

No final dos anos 70, um certo professor barbudo e meio maluco pulou os muros acadêmicos e levou a filosofia para a sala de estar. O nome dele era Cláudio Ulpiano, pensador de primeiro time e principal divulgador do ideário de Gilles Deleuze no Brasil. Sem cerimônia e sem compromissos formais, Ulpiano começou a ensinar filosofia a hordas de cariocas que passaram a segui-los pelos quatro cantos da cidade. Ele não tinha um endereço certo para dar aulas: ora reunia grupos na sua própria casa, ora em espaços públicos emprestados, ora na sala de algum dos seus alunos. Em 1999, Ulpiano morreu, deixando para trás muitos órfãos, entre eles apaixonados confessos como a atriz Cláudia Abreu e o cantor Paulinho Moska.
- Ele me deu a dimensão da liberdade, da eternidade, da curiosidade, me ensinou a compor o meu olhar, me deu uma peneira, um crivo - diz Moska. - Fui aluno dele por oito anos. Se não fosse o Cláudio, talvez eu tivesse me tornado um candidato a celebridade. Ele apagou em mim a banalidade.
- O Cláudio foi uma pessoa muito marcante na minha vida - comenta Cláudia. - Suas aulas eram especiais, porque ele conseguia falar sobre coisas complexas de uma maneira muito simples. Sua influência foi tão forte que acabei decidindo fazer a graduação em filosofia na PUC.
A paixão dos alunos de Ulpiano virou combustível para um mutirão em nome do resgate de sua obra. Apesar de escrever com maestria e de ter deixado alguns manuscritos, o filósofo era adepto da tradição oral - o que fez seus seguidores desenvolverem o hábito de gravar cada palavra que saía de sua boca. O material - mais de 800 fitas cassete com aulas do professor na íntegra - sempre ficou guardado na gaveta da viúva, Sílvia. Há dois anos, porém, Renata Aguiar, filha de Sílvia e enteada de Ulpiano, resolveu levar alguns minutos do discurso do padrasto para a internet. Choveu gente querendo saber de quem se tratava. Animadas, Sílvia e Renata se juntaram a uma turma de ex-alunos para conseguir verba para transformar as fitas em CDs e transcrever as aulas.
- Resolvi investir nesse trabalho porque todas as pessoas que eu encontro que foram alunas do Cláudio dizem que ele mudou suas vidas - diz Sílvia. - E eu acredito, porque ele mudou a minha. Então acho importante continuar.
O resultado é o Centro de Estudos Cláudio Ulpiano, um site onde é possível penetrar na essência do mestre (www.claudioulpiano.org.br) . Já estão disponíveis dez aulas transcritas e três áudios, além de textos de ex-alunos e amigos - sim, eles voltaram a se reunir, ainda que virtualmente, em nome do mestre. O site conta ainda com uma revista, a "Tigres Azuis", que dissemina o pensamento libertário do professor. Os textos da revista não são assinados, nem quando pertencem a escritores consagrados. Segundo a psicanalista Viviane de Lamare, ex-aluna de Ulpiano e uma das cabeças do movimento de resgate do seu trabalho, a idéia por trás da iniciativa comum é bastante simples: o sucesso de um texto não pode ser creditado a coisas externas ao próprio texto, como uma assinatura famosa.
- O Cláudio foi uma pessoa rebelde ao poder constituído. Ele tirou a filosofia da esfera da universidade e trouxe para a vida das pessoas. No próximo número da "Tigres Azuis", que será sobre o amor, teóricos consagrados escreveram textos maravilhosos e toparam não assinar - conta Viviane.
Ulpiano era fluminense de Macaé. Nasceu em 1932 e foi criado na Tijuca. Ainda na infância, começou a flertar com a filosofia, graças à vasta biblioteca de seu pai - ele leu "O Banquete", de Platão, aos 10 anos. Era, essencialmente, um autodidata. Sua formação acadêmica só aconteceu mais tarde, em meados dos anos 70. No final da década, ele virou professor da UERJ e da UFF. E, ao mesmo tempo, iniciou os famosos grupos de estudo, que reunia toda a sorte de gente, de intelectuais a estudantes. O desejo de ensinar livremente só se concretizou graças a Sílvia. Ela o conheceu durante um curso em Macaé, em 1978. Ali, decidiu que o apoiaria sem limites, para que ele pudesse se dedicar exclusivamente às idéias. Já no primeiro contato com o futuro marido, Sílvia teve certeza de que ele se tornaria um mestre, um guru. E assim foi. Segundo os amigos, ela tocava a parte prática da vida de Ulpiano, enquanto o filósofo se entregava a quatro coisas: pensar, ensinar, fumar e beber muito café.
- O Cláudio morava perto da minha casa. Quase todas as noites, ele chegava, mandava fazer dois bules de café e ficávamos conversando até esgotar as possibilidades de fala e escuta - conta Luiz Alfredo Garcia-Roza. - O Cláudio era autenticamente um filósofo. Muito mais do que um professor, era um pensador, que tinha uma característica rara: era generoso com o saber dele. Ele unia um pensamento original, uma inteligência brilhante e uma bondade de Papai Noel. Tudo isso combinado fazia dele uma pessoa fascinante.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Como diagnosticar alunos disléxicos?

Pela segunda vez em minha vida profissional, deparo com a possibilidade de dislexia em sala de aula. Não possuo informações que considere eficientes para diagnosticar tal problema, o que me leva à procura de ferramentas com as quais possa contar.
Professores de Filosofia, Sociologia, História, Redação, etc., têm em mãos (em termos) a capacidade de perceber qualquer deficiência na escrita de seus alunos, visto que lidam com textos redigidos pelos mesmos. Porém, o diagnóstico para qualquer deficiência na aprendizagem é de responsabilidade de profissionais especializados, como psicólogos, psicopedagogos, entre outros.
Como, entretanto, lidar com esta questão, no caso de a instituição não possuir nenhum serviço de orientação pedagógica ou psicológica? E, além disso, no caso de o (a) aluno (a) não possuir condições materiais para a realização de um tratamento?
Vivenciei inúmeras vezes, em conversas em sala de professor e outras ocasiões, educadores referindo-se a alunos como disléxicos, portadores de déficit de atenção, hiperativos, dispráxicos, etc., todavia sei que a formação acadêmica em licenciatura de quase todas as disciplinas não confere a potencialidade para a realização de tais diagnósticos. Acredito, inclusive, que um diagnóstico errado pode gerar conseqüências tão drásticas quanto a ausência dele quando ocorre o problema.
O que sei, apenas, é que o interesse do professor em tais casos, acompanhado de bom senso, é primordial para sua resolução.

terça-feira, 22 de julho de 2008


Post reservado aos comentários da enquete:


"Aluno(a):Que tema abaixo você considera mais interessante nas aulas de Filosofia?"

domingo, 13 de julho de 2008

O Mito da Caverna em quadrinhos!

Olá, caros alunos e companheiros de profissão. Finalmente encontrei na net, através do blog do professor Fabian (nos meus links), "As Sombras da Vida", história em quadrinhos do Maurício de Souza que mostra, de forma bastante interessante, o mito da caverna de Platão. O que considero mais relevante nesses quadrinhos é a comparação estabelecida pelo desenhista com os nossos dias, comparação esta que revela uma sociedade que, bem como os prisioneiros do mito platônico, opta pela escuridão da caverna - uma caverna em forma de caixa, com "sombras multicoloridas", uma caverna cujas paredes estão em todos os lugares em que se ouve ou se fala sobre certos assuntos (como o entretenimento bobo das tardes de domingo), uma caverna que nada mais é do que nosso tão amado aparelho televisor.
Já utilizei estes quadrinhos em sala de aula, primeiro como estagiária durante a Licenciatura, depois como professora. Vale a pena, pois os alunos conseguem visualizar o mito - cuja compreensão é quase sempre difícil - de maneira mais clara e, óbvio, divertida.

Para efetuar o download de "As Sombras da Vida", clique aqui.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Lamentável

O texto que se segue é de autoria do economista e especialista em educação Gustavo Ioschpe, e foi publicado na revista Veja de 30 de junho. O presente texto reflete um pensamento intensamente hostil em relação à obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia no ensino médio, característico de uma publicidade "castradora", de uma mídia que, obviamente, não se interessa (pois isso, óbvio, não a permite continuar lucrando) pela formação de um pensamento crítico e autêntico - tarefa essencial da incorporação de tais disciplinas nos currículos escolares.


A ditadura da vontade própria, por Gustavo Ioschpe

Volta e meia ouvimos alguém protestar contra a suposta subordinação do nosso sistema educacional aos interesses do capitalismo. Haveria uma "ditadura do mercado" ditando as escolhas e interesses dos alunos e, por conseqüência, a orientação do próprio sistema escolar, que teria de abdicar de todas as suas funções mais nobres para preparar seus alunos para o mercado de trabalho.
A noção é triplamente ridícula. Primeiro, porque seria um elogio imerecido ao sistema educacional brasileiro a idéia de que ele consegue preparar a maioria de seus alunos para o mercado de trabalho ou para uma determinada orientação ideológica: é um sistema que mal consegue alfabetizar seus alunos. 72% da nossa população, segundo o Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional), não consegue ler e entender um texto simples. Segundo, porque a idéia de que o sistema educacional brasileiro é permeável às demandas da sociedade e espelha seus anseios é risível. Os desejos dos alunos e seus pais são irrelevantes; pesquisa após pesquisa mostra que professores e diretores buscam uma educação para a cidadania e para a politização, enquanto que alunos e seus pais vislumbram na escola a ponte para a ascensão social. Se a sociedade mandasse nas escolas, provavelmente veríamos nos currículos a inclusão de disciplinas de informática ou gerenciamento no Ensino Médio, ao invés da filosofia e sociologia, que acabam de ser impostas.
A "bancada da educação" no nosso Congresso é, em realidade, a bancada do professor: a maioria de seus membros são representantes de sindicatos da categoria, e se preocupam com os interesses dos alunos apenas nos casos em que ele coincide com aquele do sindicato dos professores, o que não costuma ocorrer com muita freqüência. Mas, terceiro e mais importante, a idéia é ridícula pelo próprio princípio que lhe é subjacente. Trata-se da velha idéia marxista da falsa consciência: a tese de que o pensamento dos oprimidos é, em realidade, fruto de introjeção causada pelos opressores. Sempre que o pensamento das classes mais baixas diverge daquilo que os oráculos marxistas decidiram ser o interesse dessas classes, é sinal de que o "proletário" teve sua capacidade de discernimento afetada pela superestrutura capitalista. É uma formulação deveras interessante: se um sujeito quer ir à escola para aprender coisas úteis e evoluir na vida, dando aos seus filhos uma existência melhor e mais digna do que aquela que teve, ele em realidade está sucumbindo à ditadura do pensamento dos outros, enquanto que se ele é obrigado, irrespectivamente de sua vontade, a aprender os ensinamentos de Marx, Engels, Rousseau e Durkheim (pois aposto que Adam Smith, Bentham e J.S. Mill não farão parte do novo currículo filosófico-sociológico), então, aí, sim, ele está exercendo sua democracia plena. O melhor árbitro das reais vontades de cada cidadão não é ele mesmo ou a sua vontade manifestada, mas sim a intelectualidade vanguardista e os arautos da revolução, que sabem das verdadeiras vontades de toda a humanidade, pois o intelecto e emoções de todo e qualquer ser humano é facilmente dedutível, na cosmovisão marxista: basta saber a que classe social o indivíduo pertence para saber de que lado da eterna luta entre os oprimidos e os opressores ele se situa.
Essa semana foram divulgados os resultados do último Saeb, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico, referentes a 2007. Apesar da pequena e insignificante melhora em relação à última avaliação, de 2005, o quadro geral ainda é desolador. Nossos alunos não aprendem quase nada, e aprendem hoje menos do que conseguiam aprender em 1995. Não coincidentemente, na semana anterior a essa divulgação, foi sancionada a lei que obriga a inclusão de filosofia e sociologia nas escolas do Ensino Médio. Ensinaremos Sócrates e Hegel a alunos que não conseguem ler. Faz todo o sentido. Se o objetivo dos mestres é o doutrinamento, nada melhor do que espalhar suas ervas daninhas do pensamento maniqueísta e manipulador no terreno fértil da ignorância.