sexta-feira, 4 de julho de 2008

Lamentável

O texto que se segue é de autoria do economista e especialista em educação Gustavo Ioschpe, e foi publicado na revista Veja de 30 de junho. O presente texto reflete um pensamento intensamente hostil em relação à obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia no ensino médio, característico de uma publicidade "castradora", de uma mídia que, obviamente, não se interessa (pois isso, óbvio, não a permite continuar lucrando) pela formação de um pensamento crítico e autêntico - tarefa essencial da incorporação de tais disciplinas nos currículos escolares.


A ditadura da vontade própria, por Gustavo Ioschpe

Volta e meia ouvimos alguém protestar contra a suposta subordinação do nosso sistema educacional aos interesses do capitalismo. Haveria uma "ditadura do mercado" ditando as escolhas e interesses dos alunos e, por conseqüência, a orientação do próprio sistema escolar, que teria de abdicar de todas as suas funções mais nobres para preparar seus alunos para o mercado de trabalho.
A noção é triplamente ridícula. Primeiro, porque seria um elogio imerecido ao sistema educacional brasileiro a idéia de que ele consegue preparar a maioria de seus alunos para o mercado de trabalho ou para uma determinada orientação ideológica: é um sistema que mal consegue alfabetizar seus alunos. 72% da nossa população, segundo o Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional), não consegue ler e entender um texto simples. Segundo, porque a idéia de que o sistema educacional brasileiro é permeável às demandas da sociedade e espelha seus anseios é risível. Os desejos dos alunos e seus pais são irrelevantes; pesquisa após pesquisa mostra que professores e diretores buscam uma educação para a cidadania e para a politização, enquanto que alunos e seus pais vislumbram na escola a ponte para a ascensão social. Se a sociedade mandasse nas escolas, provavelmente veríamos nos currículos a inclusão de disciplinas de informática ou gerenciamento no Ensino Médio, ao invés da filosofia e sociologia, que acabam de ser impostas.
A "bancada da educação" no nosso Congresso é, em realidade, a bancada do professor: a maioria de seus membros são representantes de sindicatos da categoria, e se preocupam com os interesses dos alunos apenas nos casos em que ele coincide com aquele do sindicato dos professores, o que não costuma ocorrer com muita freqüência. Mas, terceiro e mais importante, a idéia é ridícula pelo próprio princípio que lhe é subjacente. Trata-se da velha idéia marxista da falsa consciência: a tese de que o pensamento dos oprimidos é, em realidade, fruto de introjeção causada pelos opressores. Sempre que o pensamento das classes mais baixas diverge daquilo que os oráculos marxistas decidiram ser o interesse dessas classes, é sinal de que o "proletário" teve sua capacidade de discernimento afetada pela superestrutura capitalista. É uma formulação deveras interessante: se um sujeito quer ir à escola para aprender coisas úteis e evoluir na vida, dando aos seus filhos uma existência melhor e mais digna do que aquela que teve, ele em realidade está sucumbindo à ditadura do pensamento dos outros, enquanto que se ele é obrigado, irrespectivamente de sua vontade, a aprender os ensinamentos de Marx, Engels, Rousseau e Durkheim (pois aposto que Adam Smith, Bentham e J.S. Mill não farão parte do novo currículo filosófico-sociológico), então, aí, sim, ele está exercendo sua democracia plena. O melhor árbitro das reais vontades de cada cidadão não é ele mesmo ou a sua vontade manifestada, mas sim a intelectualidade vanguardista e os arautos da revolução, que sabem das verdadeiras vontades de toda a humanidade, pois o intelecto e emoções de todo e qualquer ser humano é facilmente dedutível, na cosmovisão marxista: basta saber a que classe social o indivíduo pertence para saber de que lado da eterna luta entre os oprimidos e os opressores ele se situa.
Essa semana foram divulgados os resultados do último Saeb, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico, referentes a 2007. Apesar da pequena e insignificante melhora em relação à última avaliação, de 2005, o quadro geral ainda é desolador. Nossos alunos não aprendem quase nada, e aprendem hoje menos do que conseguiam aprender em 1995. Não coincidentemente, na semana anterior a essa divulgação, foi sancionada a lei que obriga a inclusão de filosofia e sociologia nas escolas do Ensino Médio. Ensinaremos Sócrates e Hegel a alunos que não conseguem ler. Faz todo o sentido. Se o objetivo dos mestres é o doutrinamento, nada melhor do que espalhar suas ervas daninhas do pensamento maniqueísta e manipulador no terreno fértil da ignorância.

5 comentários:

Anônimo disse...

Professora, embora não esteja comentando sempre, eu tenho entrado frequentemente. E, cada dia que passa, gosto mais das coisas que vc escreve aqui! Parabéns! Beijão.

Unknown disse...

Se fosse um comentário bem argumentado, bem alicerçado até ficaria pensativo, mas isso são só achismos e previsões bobas sem apresentar qualquer dado ou informação que justifique essa desconfiança, esse medo.

Filosofia não é sinônimo de marxismo. Infelizmente, algumas pessoas não se dão conta disso e continuam atacando espantalhos.

Jadir Antonio disse...

A visão de pessoas com olhar maniqueistas de que filosofia se resume em marxismo e ainda não superou a tal ideologia e o próprio deixa bem claro isso e mostra que de filosofia não sabe nada, o especialista em educação, vamos tirar ciências humanas e botar a ditadura da competência técnica, isso a sociedade já tem bastante, qualquer adolescente sabe muito bem lidar com tecnologias. Se quer se especializar vai fazer cursos bons que lhes dê condições para trabalhar, não esses cursinhos que oferecem por aí. Outra questão é achar que o ser humano é apenas uma máquina de gerar dinheiro disso a sociedade já está cansada e não consegue resolver os seus problemas, pois a sociedade tem condições suficientes para isso, e não resolve por que a ganância não deixa. As ciências humanas podem não ser um remédio, mas problematiza as questões que leva a ter novas ações em lugares frio e hostil como a nossa sociedade, competência técnica e nada de respeito, apenas uma máquina utilizável. O homem é lobo do homem, vivemos a guerra de todos contra todos em um país para poucos. Ser cidadão não elimina a possibilidade de aprender tecnologias e aprender tecnologias não elimina a possibilidade de ser cidadão, o ser deve ser completo.Estamos cheios de receitas prontas das pessoas que sabem tudo de teorias que funcionam bem em suas cabeças apenas.Quando é para lidar com a outra pessoa o amadorismo não funciona.A idéia de que filosofia e sociologia se resumem em pensamentos dos outros é no mínimo falar de coisas que não conhece, especialista em educação.Filosofia e existência não se separam, pensar questões da sociedade e da própria existência humana é a possibilidade de sair da ditadura das armadilhas conceituais que prendem as pessoas em mundinhos subjetivos relativos. A técnica é necessária, as ciências humanas são necessárias, se não quisermos perecer em um mundo cheio de seres humanos máquinas. É necessário parar com o maniqueísmo da direita de achar que tudo se resume em Marxismo.

FABIAN disse...

Olá professra, parabéns pela iniciativa. Mto bom os textos do blog.

o texto da Veja se estivesse fundamentado poderia gerar uma reflexão interessante, mas não tem base alguma, solto como poeira!

Sou professor de filosofia/sociologia e mantenho um site como instrumento complementar as aulas, www.albiofabian.xpg.com.br

Abraços e sucesso!

Gisele Secco disse...

Opinião de um polêmico sobre o texto puvlicado na veja:

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=494FDS001